Alfândegas dos aeroportos poderão passar a destruir iPods

Re:blogado do Remixtures

A arma secreta da indústria discográfica e cinematográfica para travar por todas as formas a partilha de ficheiros – tanto online como offline – dá pelo nome de “Acordo de Comércio Anti-Contrafacção” (ACTA) e consiste num acordo comercial de âmbito internacional que se encontra a ser negociado entre representantes dos Estados Unidos, Comissão Europeia, Japão, Suiça, Canadá, Austrália, Coreia do Sul, México e Nova Zelândia.

Um dos pontos mais polémicos deste acordo secreto é o facto de conceder autoridade aos funcionários das alfândegas para revistarem computadores portáteis, iPods e outros dispositivos em busca de conteúdos potencialmente ilegais, bem como para confiscar e destruir equipamento sem que tenham sequer de obter uma queixa de um detentor de direitos. Mais ainda, os cartéis da Propriedade Intelectual querem também aplicar sanções criminais – e não apenas civis – a partilha online de ficheiros sem autorização dos titulares de direitos, equiparando-a assim de facto à pirataria com fins comerciais utilizando como justificação o argumento completamente falacioso de que se tratam ambas de práticas que prejudicam de igual modo o detentor de direito.

Para além de todo o processo de negociação da ACTA ter decorrido até agora em total secretismo – e se não fosse uma alma caridosa ter feito chegar anonimamente à Wikileaks o documento da proposta, a opinião pública mundial não teria tido qualquer conhecimento dele -, tudo foi feito de modo a deixar de fora os países periféricos que representam a maioria da população do globo e que seguem políticas que muito desagradam às editoras, estúdios de cinema, farmacêuticas e outras indústrias que dependem dos direitos de autor e das patentes.

A última reunião no âmbito das negociações sobre a ACTA está a decorrer desde terça-feira em Washington, nos Estados Unidos, e termina hoje. Como é costume, a Wikileaks já tem disponível uma cópia do memorando (via Slashdot) que serve de base à agenda da reunião. O texto foi redigido pelas indústrias do direito de autor, patentes e marca registada e tem como destinatários os representantes dos países que participam na mesa das negociações. Confirmando o que já se receava, o texto integra uma série de recomendações de modo a aplicar as leis de propriedade intelectual nas alfândegas.

Em concreto, estas indústrias exigem um controlo mais apertado dos artigos de modo a detectar contracções ou material pirateado e querem que as autoridades alfandegárias coloquem os titulares de direitos a par de toda a informação relevante que possa servir para iniciar investigações privadas. Como se isto não fosse suficiente, pedem ainda não só a apreensão dos produtos como também a sua destruição.

A primeira vez que eu fiquei a par da ACTA pensei que fosse apenas uma ideia estrambólica fruto da imaginação totalitária das indústrias de conteúdos. Mas infelizmente não é. As editoras querem mesmo obrigar as alfândegas dos aeroportos a revistar os iPods dos viajantes para verificar se contêm música descarregada ilegalmente, como se depreende de uma notícia publicada esta semana pelo site australiano News.com.au segundo a qual o gabinete do ministro dos negócios estrangeiros da Austrália Stephen Smith confirmou que o seu governo é um dos países que integra as negociações relativas a um acordo internacional. A peça não refere mas tudo indica que se trate de facto da ACTA.

Quem tiver música pirateada no seu leitor de MP3 arrisca-se ao pagamento de pesadas multas e até mesmo a penas de prisão. Caso esta medida venha de facto a ser aprovada, isto irá desencadear um enorme quebra-cabeças logístico: como é que será possível determinar quais as músicas que são ilegais e as que foram legalmente copiadas pelo utilizador da sua discoteca de CDs? Pensem no tempo interminável que os funcionários das alfândegas irão perder a revistar iPods, telemóveis, computadores portáteis!! É claro que uma solução mais “fácil” para as alfândegas e bem mais favorável às editoras será pura e simplesmente estatelar ao chão todos os gadgets que contenham pelo menos uma música suspeita… Bem vindos ao Big Brother da vida real! E não, isto não é uma brincadeira! Isto é o que os políticos dos maiores países do mundo – entre os quais os Estados-membro da União Europeia – andam a tentar implementar nas costas de todo o mundo enquanto nós nos entretemos com os futebóis, as telenovelas, os Morangos com Acúcar e as Floribelas. Informem-se e passem a mensagem antes que seja tarde de mais. Depois, não digam que ninguém vos avisou.

Nota: a imagem que acompanha este artigo está disponível aqui segundo uma licença CC-BY-NC 2.0 e pertence a Amit Gupta.

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